terça-feira, 11 de maio de 2010

O candidato obrigado a vencer

Para alguns, a vitória é só uma questão de tempo. Porém, o excesso de confiança traz dentro de si uma armadilha fatal

Este caso é muito peculiar e paradoxal. Afinal, o senso comum nos diz que, aquele que se candidata busca a vitória. Na realidade, não é bem assim. Há candidatos que se sabem sem chances, e, mesmo assim, dispõem-se a concorrer para ajudar o partido. Seja para conquistar cadeiras no legislativo, seja para marcar a presença do partido, com sua mensagem própria, ou até para preservar espaços políticos que já possui.

Comentaristas políticos criam expectativas no candidado obrigado a vencer ao apontar favoritismos

Mas este não é o caso do candidato que entra na disputa tendo fixado subjetivamente uma obrigação de vencer. A palavra-chave, na caracterização deste tipo de candidato, é "obrigação". Isto é, a eleição é dada por ele como vencida, antes mesmo de começar a campanha. Esta é apenas a trajetória que precisa ser legalmente cumprida para confirmar a sua vitória.

De onde vem esta obrigação? Ela não surge do partido, que sabe ser ela despropositada. Não é criada pelos comentaristas políticos que, com sua experiência, animam-se no máximo a apontar favoritismos. Também não é extraída das pesquisas (sérias) porque indicam tendências, e não são nunca profecias sobre o futuro.

A obrigação de vencer vem da cabeça do candidato, do seu ouvido seletivo (só dá importância às informações favoráveis), do seu preconceito em relação aos demais candidatos, do grupo que constitui em volta de si, já pré-selecionado a partir desta convicção, da família dele que tende a encarar a eleição sempre do ângulo emocional, de sua auto-avaliação, onde aparece como largamente superior, em todos os aspectos aos seus adversários, por vezes de seu ódio contra um adversário em relação ao qual não admite ser derrotado, e, em não poucos casos, tudo isso se concentra numa vaidade pessoal exacerbada.

O candidato obrigado a vencer possui semelhanças com a Seleção Brasileira de Futebol, no período que antecede à Copa do Mundo. A seleção já sai do Brasil embalada no sentimento de vitória antecipada. Não poucas vezes as discussões se concentram em decidir com quem será a final.

A mídia nacional, a posição da seleção no ranking internacional, os comentarios estrangeiros, o clima de excesso de confiança, mal-contido na entrevistas dos jogadores, tudo converge para a criação de um estado de espírito na opinião pública de, mais que confiança, convicção na vitória final da seleção.

Tem-se a impressão que já ganhamos a Copa, embora fiquemos sujeitos a confirmar a vitória nas partidas previstas na tabela de jogos. Quando os fatos não confirmam a expectativa, há sempre algumas desculpas à mão, para provar que, embora merecessemos ganhar, algum acidente imprevisto, injusto e fatal, nos arrebatou a vitória.
"Não ganhamos, mas a vitória moral foi nossa"; "a culpa foi do juiz"; "um problema de última hora vitimou Ronaldinho"; "foram erros do técnico"; para citar algumas das desculpas que têm sido usadas para explicar aquilo que tinha se tornado inexplicável.


O candidato obrigado a vencer possui semelhanças com a Seleção Brasileira de Futebol. Normalmente, a equipe já sai do Brasil embalada no sentimento de vitória antecipada

O candidato obrigado a vencer entra na disputa assim como a Seleção Brasileira entra na Copa: já ganhou, mas infelizmente terá que se sujeitar aos jogos do campeonato ( à campanha eleitoral e ao processo eleitoral).

Se ao final ganhar, não é surpresa. Nada mais fez do que sua obrigação. Se perder, aí sim a surpresa é grande. Logo são necessárias explicações para o absurdo que não ponham em dúvida a natural superioridade.

Não é a seleção que é inferior, assim como não é o candidato que é ruim. Foram fatores imprevisíveis e incontroláveis que provocaram o desastre.

A difícil relação com a realidade

O problema fundamental do candidato obrigado a vencer é a relação que estabelece com a realidade. Não há tolerância para as informações negativas, que são recebidas como erradas, destorcidas ou produtos da má-fé.

Se a pesquisa própria traz informações negativas, é porque foi mal-feita, e o culpado é o Instituto que a fez; se for pesquisa feita por outros, é porque foi manipulada para prejudicá-lo. Em resumo, a única pesquisa que ao final é aceita, é aquela que o traz na frente com substancial vantagem.

A convicção da vitória é tão grande, as expectativas que ela anima são tão fortes, que a campanha se vê forçada a encontrar uma forma padrão de lidar com informações negativas. Na maioria das vezes, este candidato realmente parte de uma condição de favoritismo. No início da campanha, dificilmente vai ocorrer uma reversão súbita deste favoritismo. Nessa fase, então, tende a haver uma razoável consistência entre as expectativas e a realidade.

À medida em que a campanha avança, e os demais candidatos entram em ação aberta e ostensiva, aquela situação de consistência tende a sofrer mudanças. O eleitor, ainda desmobilizado, na fase pré-campanha, começa a se interessar e a acompanhar com maior interesse o jogo político. A programação do horário gratuito na mídia o colocam em contato com todos os candidatos; os debates, as entrevistas, as pesquisas, contribuem para aproximá-lo mais da eleição.

Aquela disposição inicial (que favorecia o candidato) começa a inevitavelmente a mudar, trazendo surpresas desagradáveis para a campanha "obrigada a ganhar". São os que se declaram indecisos, os que, depois de conhecer outros candidatos, mudam de preferência, e, em conseqüência, os índices do candidato favorito tendem a cair. Um exemplo seria a deserção dos eleitores que estavam com ele inicialmente, mais por falta de opções do que por real preferência.
Esta é uma queda normal, para quem larga distanciado na frente. Nestes casos, é muito difícil "segurar" grandes diferenças, e manter-se nos altos patamares, depois de começada a campanha. Normal para quem analisa a eleição com frieza e objetividade. Uma surpresa perturbadora para quem se considera destinado a vencer.


Se o candidato também não se preparar para a derrota será alvo fácil para as presas que habitam a floresta política

A primeira tendência é tratar essas informações negativas como erros, imprecisões, ou no máximo, como oscilações sem maior importância. A continuidade nas informações negativas, passa então a ser vista como uma combinação de manipulação mal-intencionada, por parte dos inimigos, e de incompetência dentro da própria campanha.

A partir do início da segunda metade do tempo de campanha, a impaciência, revolta e inconformidade aumenta, alcançando níveis de conflito e passionalismo muito altos. Se não se verificar algum fator positivo, que dê indícios de reversão daquela tendência, a campanha entra em crise séria.

O candidato passa a agir impulsivamente, perde controles sobre as suas emoções, exige resultados imediatistas, e "abre a temporada de caça aos culpados". Os assessores reagem defensivamente: não mais se atrevem a levar-lhe notícias ruins, ficam inseguros e tímidos, e, obsessivamente, procuram defesas que evidenciem que não é deles a responsabilidade.

Candidatos que se concebem como obrigados a vencer, não têm, usualmente, equipamento psicológico para sair dessa situação. Tendem a afundar-se cada vez mais, já que o mau humor do candidato, sua recém-adquirida insegurança, sua postura de estar sempre se queixando e pondo a culpa nos outros, torna-o menos eficiente no contato com o eleitor, e, portanto, com menos chances de reverter o quadro.

A esses problemas somam-se as críticas, os ataques, o bom desempenho de outros candidatos, e, sobretudo os erros cometidos pelo candidato. A campanha perde ousadia, tende a levar o candidato para contato com aqueles que já o apóiam e, adquire, por fim, uma dinâmica de desconfianças mútuas, de medo, de ressentimento que a paralisa. Perde todas as condições de pensar, planejar, debater e decidir.

Uma campanha montada com a obrigação de vencer não se prepara para a eventualidade da derrota, não sabendo pois, como lidar, em tempo, com as tendências negativas. Espalha-se então, pela floresta política, o cheiro de sangue no ar, assanhando os "predadores" a buscar a vítima ferida.


Francisco Ferraz

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